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quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O Dárshana Tântrico


O dárshana tântrico

Um dos mais eficientes dispositivos psicológicos do Tantra é a prática da transgressão. Como a vida é naturalmente eivada de restrições que estabelecem limites e mais limites, acumulativamente, desde os primeiros meses de idade e pela vida afora, permitir-se transgredir algumas normas tem um poderoso efeito de catarse, bastante utilizado em psicoterapia.
Evidentemente, vivendo em sociedade não podemos suprimir as normas, leis e regulamentos. Contudo, as restrições sucessivas e compulsórias terminam por gerar efeitos colaterais nem sempre desejáveis. Nesses casos, transgredir algumas normas pode ter efeito terapêutico ou profilático para evitar certos problemas emocionais, às vezes bem graves, que custariam caro se chegassem a requerer assistência de um terapeuta.
Se você comprime energia, ela se torna perigosa e tende a explodir. Coloque um pouco de pólvora sobre uma superfície e ponha fogo: ela fará puff e provavelmente não machucará ninguém. Mas se colocar essa mesma quantidade de pólvora dentro de uma cápsula de metal e obliterar a saída dos gases com uma tampa de chumbo, ao ser detonado o explosivo fará bang e poderá matar alguém.
Quando as repressões ultrapassam o limite de resistência de uma pessoa, ela explode. Essa explosão pode ser para o lado do corpo, na forma da somatização de alguma enfermidade física (autodestruição); ou pode ser para o lado do psiquismo, elaborando intrincadas estruturas de comportamento anti-social (heterodestruição). É aí que surgem os criminosos comuns e, em casos mais complexos, os psicopatas.
Não temos a pretensão de afirmar que a técnica da transgressão possa evitar todos os casos de criminalidade ou psicopatologia, mas seguramente atenuaria um bom número de quadros.
Quando alguém pisa o pé de um brahmácharya típico, ele nem pisca, não contrai um músculo e não reclama. Ele pensa: "Esse meu irmãozinho não fez de propósito e não percebe que está me machucando. Mas eu faço Yôga, portanto, sou controlado e não vou reclamar. Ele vai acabar percebendo que está me pisando e sairá de cima do meu pé. ... É, mas ele não está percebendo. E continua doendo. Coitado, não está fazendo por mal. O que é que eu vou fazer? Devo evitar um constrangimento. Não, não vou reclamar. Eu agüento! ... Por outro lado, francamente, será que esse imbecil não vê que está me pisando?" E, finalmente, quando toma uma atitude, a reação costuma ser mais agressiva e até neurótica.
Quando alguém pisa o pé de um tântrico autêntico, ele diz imediatamente: "Opa! Cuidado que o de baixo é meu!". Os dois sorriem e dali pode surgir uma boa amizade. Como não houve repressão, não ocorre a explosão, nem para dentro, nem para fora. A energia emocional escoa naturalmente.
Sendo o Tantra uma filosofia libertária, elaborou há muitos séculos um recurso que consiste em, conscientemente, sob o controle de um especialista, arquitetar circunstâncias inócuas em que normas sociais possam ser transgredidas sem prejuízo de ninguém e sem que isso caracterize uma ação ilegal. Estamos falando da linha branca, é claro. A linha negra aproveitou o pretexto para adotar atitudes socialmente escandalosas ou ilegais, mas esse procedimento não é endossado pela nossa tradição.
Se não devemos descumprir as leis jurídicas, de que adianta a prática da transgressão? Adianta, e muito, por exemplo, quando um subordinado enche a boca e diz um sonoro não ao chefinho intransigente; ou quando o jovem, que teve de seguir ordens e restrições dos pais a vida inteira, reage e toma uma atitude revolucionária em relação aos costumes da família; ou quando alguém abandona a faculdade que não lhe trazia satisfação pessoal, ou troca de carreira profissional; ou ainda quando se adota uma moral diferente da que é praticada pela sociedade onde se vive. O Tantra é, por excelência, a arte de assumir uma moral distinta da utilizada pela maioria. O seguidor do Tantra Negro é uma ovelha negra, mas o adepto do Tantra Branco não é sequer uma ovelha!
Tornar-se vegetariano é um bom exemplo de contestação por uma boa causa. Além de não prejudicar ninguém, nem ser ilegal, essa transgressão alimentar ainda beneficia a saúde e conta com um louvável componente ético.
A sexualidade também é uma excelente área sobre a qual se pode exercitar a transgressão, especialmente por tratar-se de um território sobre o qual exercem-se tantas restrições. Há transgressões clássicas no Tantra que conseguem fazer as mais ousadas fantasias sexuais parecerem brincadeira de criança.
Dentre as transgressões mais inocentes, encontra-se o darshan tântrico.
Extraído do livro Tantra, a sexualidade sacralizada, do Mestre DeRose

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